Se você está grávida ou com bebezinho nos braços, talvez já tenha escutado algo sobre Puerpério, aquele período inicial da maternidade, popularmente conhecido como “resguardo”.
Essa concepção, que é a mais conhecida e divulgada no campo da saúde, por
priorizar os aspectos físicos, considera que ele começa imediatamente após o
nascimento do bebê e termina em torno de 6 semanas (ou 45 dias), quando a
mulher voltaria ao “estado pré-gravídico”.
Atualmente, com os avanços da Psicologia Materna, já sabemos que esse processo
é mais complexo, e não apenas um evento biológico. O Puerpério é uma
experiência biopsicossocial. Isso significa que ele afeta todos os campos da vida da
mulher: o biológico, o psicoemocional, e o social. Por esse motivo que não é
possível “voltar a ser como era antes”, e muito menos em tão pouco tempo.
Mesmo se considerarmos somente os aspectos biológicos dessa experiência, já
existem evidências científicas de que o cérebro materno se adapta para atender as
demandas específicas do maternar, e que, por exemplo, ocorre alteração do
tamanho cerebral por até dois anos após o parto. Isso mesmo: dois anos.
Talvez você tenha se assustado - ou sentido alívio, por entender que muito do que
você tem sentido, mesmo após os 40 dias, é normal -, mas não se preocupe, pois
não será sempre como nos primeiros dias. Os desafios e transformações duram
muito tempo, mas não na mesma intensidade.
Você deve estar se perguntando quanto tempo, afinal, dura o Puerpério, não é mesmo?
Ora, como cada mulher tem um contexto de vida específico e um funcionamento
psicoemocional único, a duração dessa experiência é diversa. Porém, os estudos e
a prática clínica mostram que ele dura cerca de dois anos - podendo variar para
mais ou para menos.
Sim, eu sei que não saber quando vai terminar, sem nem saber como termina, pode
gerar muita ansiedade. Por se tratar de uma experiência subjetiva, apenas você
poderá dizer quando o seu Puerpério terminou. Mas há alguns pontos comuns que
você poderá observar, para saber se já está saindo do Puerpério:
Nessa fase, sobretudo nos primeiros meses, você fará um contato muito profundo com seu bebê, chamado ‘fusão emocional’. Além de todo contato físico, de todo colinho, você também dividirá seu campo emocional com o bebê. O seu mundo psíquico e o dele se comunicam. Isso acontece para facilitar a compreensão das necessidades desse serzinho tão dependente dos seus cuidados. Quando o seu Puerpério estiver terminando, essa comunicação psíquica começará a se dissolver, e você vai sentir seu corpo e emoções menos ocupados pelo bebê.
Durante a gravidez e no Puerpério, há uma reorganização cerebral para facilitar o cuidado e a comunicação com o bebê. Afinal, nesse período, biologicamente falando, a prioridade é garantir a sobrevivência e o desenvolvimento dele. Dentre as inúmeras mudanças, você viverá uma espécie de hiperfoco no bebê e em tudo o que se relaciona ao maternar. Eu chamo isso de “bolha mãe-bebê”. Nessa bolha, que vai sendo aberta aos poucos durante o Puerpério, a mãe puérpera se desliga do mundo ao redor e vivencia uma concentração intensa no bebê. Por isso você passa a se interessar quase que somente pelo tema maternidade, e não consegue evitar ficar “bebê-temática”. Mas ao final do Puerpério, além do bebê passar a demandar um pouco menos de você, seu hiperfoco vai diminuindo. Aos poucos você sairá da bolha e voltará a ter outros interesses!
Um dos maiores desafios do Puerpério são as “crises de identidade” pelas quais as mulheres que se tornam mães passam. Você receberá o título de mãe quando seu bebê chegar, mas se apropriar dele e senti-lo fazendo parte de si, é um processo. Nessa jornada, muitas de suas referências identitárias não lhe servirão mais, ao passo que, por um tempo, seus novos lugares e identidades ainda não estarão consolidados. Como o Puerpério é um período de transição, você viverá uma espécie de “limbo identitário”. Você já não é mais a mesma, mas ainda não sabe quem é. Quando estiver saindo dessa fase, sentirá essa “crise de identidade” se abrandar. As mudanças ficam cada vez mais nítidas, e você enxergará melhor seu “novo eu”.
Ou seja, o Puerpério é um longo, intenso e complexo processo, que tem seus
desafios, como toda grande transição humana. Você não está ‘apenas’ se tornando
mãe. Você está se transformando inteira! Não tenha medo de atravessar essa
jornada. Não é fácil, mas pode ser incrível.
A autora
Camila Ramos é Psicóloga, Psicanalista e especialista em Saúde Mental. Criou o
projeto “Um colo para mãe”, no qual oferece acompanhamento psicoterápico para
gestantes e puérperas, e cria conteúdo no IG @um.colo.para.mae sobre Puerpério,
Matrescência e Maternidades plurais e reais.
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